Entrevista com o fundador da Fundación Mezuena, Pablo Mazuera

Por Pedro Parisi, de Belo Horizonte

A CIMTB Michelin conversou com o diretor da ong de apoio ao ciclismo na Colômbia Fundación Mezuena, Pablo Mazuera, que tem um currículo altamente diversificado desde um diploma em engenharia de som, produtor de audiovisual, fotógrafo e ex-treinador do vencedor do Giro da Itália desde ano e do Tour de France de 2018, Egan Bernal. Há cerca de dez anos Pablo traz atletas das categorias de base para competir na CIMTB Michelin. Ele acompanhou Bernal em 2015, quando o atleta ainda estava na categoria Júnior e se dedicava ao mountain bike. Bernal venceu a competição.

Ele contou um pouco sobre como é a cultura do ciclismo na Colômbia e como isso ajuda na formação de novos atletas de alto nível. Ele também falou sobre medidores de potência e como eles podem agregar muito ao treinamento de ciclismo, mas ao mesmo tempo podem tirar a magia das competições profissionais. Ele também explicou o que levou a essa grande quantidade de novos talentos na atual geração de atletas profissionais. “É uma questão de sangue novo”, diz.

CIMTB Michelin: A Colômbia é a maior potência do ciclismo na América Latina. A que você atribui esse fenômeno?

Pablo Mazuera: Existem muitos fatores que contribuem para este fenômeno, que incluem a altitude, por exemplo. Temos montanhas muito altas, o que permite aos ciclistas treinarem em todos os tipos de superfícies, alturas, todos os tipos de terreno e em qualquer circunstância: muito calor, frio, altitudes de mais de 3mil metros acima do nível do mar. Temos muitas montanhas para praticar ciclismo, então já são dois fatores importantes, um é a altitude e o outro a geografia. A geografia conta muito, porque aqui há muitos lugares onde treinar.

Outro fator são as corridas de ciclismo. A Vuelta a Colômbia, por exemplo, é uma das corridas mais exigentes do mundo. As equipes estrangeiras não vêm correr nesta competição porque sabem que não podem competir contra os ciclistas colombianos nestas condições. Por isso se criou o Tour Colômbia de Ciclismo que é muito diferente e tem outro tipo de perfil para corredores estrangeiros.

E quanto ao mountain bike, a Colômbia também é forte por motivos muito parecidos: muitos lugares naturais onde é possível treinar em altitude. Outro fator é a descendência dos indígenas, que conseguem desenvolver potências muito altas. Além disso, somos educados para sermos bons escaladores tanto no mountain bike, quanto na estrada.

São muitos anos de tradição do ciclismo na Colômbia, o que faz com que a preparação seja mais completa ao longo do tempo. Há uma qualidade e quantidade de treinadores muito grande, então são muitos aspectos que influenciam isso. Inclusive a paixão dos colombianos pelo Ciclismo.

CIMTB Michelin: Qual é a importância do treinamento para os jovens atletas e qual o impacto de um treinamento de qualidade para o futuro destes ciclistas?

PM: Os treinadores estão cada vez melhores e mais capacitados para trabalharem com os atletas desde cedo, às vezes a partir dos oito ou dez anos de idade. E com a estrutura de ciclismo aqui na Colômbia, eles passam por muitos clubes, muitos locais de treinamento. Isso faz com que eles desenvolvam muita experiência. As famílias se envolvem, os profissionais mais experientes se envolvem. Com todo esse apoio e esses pontos de referência, os jovens desenvolvem bons hábitos desde pequenos. E isso reflete no profissionalismo quando chegam à fase adulta. Tudo isso pode ser resumido mais ou menos como uma boa e estruturada cultura do ciclismo.

CIMTB Michelin: Recentemente o Brasil tem tido bons resultados no ciclismo, sobretudo no MTB. Mas certamente aprendemos muito com os Colombianos, como Leonardo Páez, por exemplo. Qual é a importância do intercâmbio para o ciclismo?

PM: Atualmente, na era digital, as informações fluem bastante. Então sempre estamos sabendo o que ocorre em outros países do mundo. Estamos sempre monitorando os dados, os números e as informações de outros lugares. Na América Latina a referência já foram os argentinos, como Catriel Soto. Atualmente é Henrique Avancini, do Brasil. Pela Colômbia temos Leonardo Páez, que é um ciclista que já tem muitos anos e não tem mais muito tempo no ciclismo, ao contrário do Henrique que ainda tem um futuro muito grande.

Então, o intercâmbio é importante para que os corredores jovens tenham a oportunidade de acompanhar seus ídolos em eventos tão importantes como a Copa Internacional, organizada pelo Rogério, ou o campeonato Pan-Americano, por exemplo. Então são relações muito importantes. Mas a América Latina não se destaca nos últimos tempos, só com a presença de Henrique Avancini e com o Leonardo, que conseguiram alcançar uma referência mundial.

CIMTB Michelin: Desde os anos 2000 o medidor de potência é uma ferramenta indispensável para qualquer ciclista, seja amador ou profissional. O que essa ferramenta muda na forma de treinar?

PM: O potencímetro é uma ferramenta tecnológica que mudou bastante o treinamento e a performance no ciclismo. Entretanto, é muito caro, e não é qualquer atleta que pode ter acesso. Outro ponto é que ele te controla. A característica mais importante é que os ciclistas podem realizar treinos muito precisos e ao mesmo tempo, os treinadores conseguem monitorar digitalmente de uma maneira muito, mas muito personalizada e detalhada. Isso permite um planejamento muito preciso para que os atletas estejam em seus picos de performance na época certa.

Também há o impacto nas competições mais importantes. Sobretudo no ciclismo de estrada. Em alguns momentos é possível perceber os atletas olhando o tempo inteiro para os dispositivos. Isso gera muitas críticas, algumas delas com razão, porque isso tira uma parte do espetáculo. Mas para os treinamentos isso é uma ferramenta que definitivamente se deve utilizar, tanto o amador quanto o profissional.

CIMTB Michelin: Cada vez mais jovens atletas alcançam os postos mais altos dos pódios no ciclismo. É o caso do Colombiano Egan Bernal, campeão de duas grandes voltas, por exemplo. A que você atribui este fenômeno? Você acha que existe relação com a chegada dos medidores de potência?

PM: Eu particularmente não acredito que haja uma relação direta, talvez uma porcentagem mais baixa. É uma questão de sangue novo. De uma geração muito forte, muito habilidosa, que chega com muita energia. Eles treinam muito bem, utilizam o potencímetro para treinar muito bem. Chegam com muita energia, sem medos. É uma questão de juventude e não de potência.