Lendas CIMTB: Abraão Azevedo

Por Pedro Parisi, de Belo Horizonte

Compreender o ciclismo tão bem em seus diferentes aspectos é uma consciência difícil de alcançar, sobretudo para quem teve tantas vitórias no nível mais alto do esporte. Abraão Azevedo enxerga a bike como um “instrumento de autonomia ampliada”, em que o ciclista expande os limites de onde pode chegar física e mentalmente. Abraão é o convidado desta edição da série Lendas CIMTB.

“Antes de tudo, a bicicleta tem mais de um aspecto, e um deles não tem nada a ver com competição. É uma ferramenta leve, que você consegue carregar e te permite acessar lugares e distâncias inviáveis de outras maneiras. Então, antes de tudo, a bike é meio de transporte”, avalia Abraão, que descobriu essa liberdade com oito anos de idade.

Das voltas ingênuas de criança na em Formosa, sua cidade natal, ele tirou várias lições técnicas úteis até hoje, com 50 anos de idade. “A gente costumava tirar o freio das bicicletas, às vezes com, às vezes sem. Isso me ajudou a ter um controle maior desde o início”, lembra. Com 15 anos, ele se muda para Brasília e continua a usar o pedal como meio de transporte para trabalhar e estudar. Já empregado na aeronáutica, Abraão começa o curso de psicologia, mas depois de se frustrar algumas vezes com o carro que havia comprado, decide vendê-lo e investir em uma mountain bike. “Passei a andar mais, e um amigo meu que competia me falou na época que eu tinha que correr de qualquer jeito”, conta.

A relação de Abraão com o ciclismo profissional começou em 1994 depois desse convite e não acabou até hoje, um casamento pontilhado de vitórias. Abraão venceu todos os títulos nacionais de XCO e XCM, incluindo a geral da CIMTB Michelin, além de um ouro no Panamericano na Elite em 1998 e o mundial de XCO na Master em 2011. Isso tudo sem falar no tetracampeonato na maior ultramaratona do mundo, o Cape Epic. “Mas, na verdade, o meu maior resultado é a minha saúde”, diz.

“Falar de um atleta como o Abraão é um prazer e é sempre uma honra recebê-lo na CIMTB Michelin. Ele tem uma carreira vitoriosa e continua sendo uma referência para muitos atletas. Fico feliz dele ter escolhido o caminho do compartilhamento de seus conhecimentos pois teve e tem muito a acrescentar para o crescimento do ciclismo brasileiro. Quem convive com ele sabe que é a educação e humildade em pessoa. Mas não se engane, pois na pista é um “monstro””, comenta Rogério Bernardes, Organizador da CIMTB Michelin.

Abraão tem um jeito diferente de encarar o ciclismo, ainda no início da carreira, largou a psicologia e foi cursar educação física. “continuo sempre estudando até hoje”, completa. Testar equipamentos, treinamento e novas formas de conseguir desempenho é outra habilidade que começou a ser desenvolvida há décadas. Abraão já trabalha com o medidor de potência há 21 anos. “Isso é uma outra vertente importante do ciclismo para mim. O equipamento, a tecnologia para mim sempre foram muito interessantes”, comenta.

Transição para a ultramaratona

E essa sabedoria foi muito útil durante a transição do atleta do cross-country para a ultramaratona. “Para mim, essa mudança foi uma renovação da motivação”, lembra do período em que correu pela primeira vez uma ultra no Brasil, em 2010.

“Nesse momento, eu aumentei meu volume de treinos em mais ou menos 20%. Mas a maior diferença é a musculação, que passou a ser muito importante. Muita gente acha que maratona é treinar por horas a fio, mas é um cronograma muito particular. Cada pessoa funciona de um jeito. As coisas podem servir para um e não servir para o ouro”, explica.

Abraão também é treinador na A a Z, assessoria que fundou para difundir a quantidade enorme de conhecimento que acumulou na sala de aula e nas pistas. “A cada dia, a empresa toma mais o meu tempo. Nosso foco é desenvolver um treino que eleve a qualidade de vida do atleta, de acordo com suas características pessoais. Temos muitos atletas da master, mas também algumas promessas, como o campeão brasileiro Júnior de 2020, o Cainã”, conta.

Novos atletas

Assim como outros treinadores, ele percebe a tendência de que há um crescente no número de pessoas pedalando e buscando fazer um pedal saudável.  Com o fechamento das academias, a bike passou a ser uma opção acessível para manter a saúde. De acordo com a avaliação dele, esse é um fenômeno real que aconteceu aqui no Brasil e em vários países. “Em alguns lugares, ouvi falar que as bicicletas precisam ser encomendadas para outubro, de tanta demanda”, conta.

Muita gente começou como Abraão, usando a bicicleta em uma de suas infinitas utilidades: para se locomover. Mas, é inevitável que uma parte dessas pessoas conheça o mountain bike como esporte e invista em treinamento, equipamentos, e eventualmente participe de competições. E é preciso que quem já tem experiência esteja preparado para receber essa nova safra de atletas.

“O mountain bike é um esporte complexo. Temos que estar preparados para incluir essas pessoas de forma acessível. Montar treinos e orientar um novo atleta é uma arte. Existe a parte técnica, a ciência é muito importante, mas também tem a experiência e a compreensão de que cada pessoa é uma, e que traçados diferentes podem chegar no mesmo lugar. A pergunta certa é: qual o melhor caminho para cada pessoa?”, conclui.